Como nossos pais

Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida de qualquer pessoa

Por isso, cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós
Que somos jovens

Para abraçar meu irmão
E beijar minha menina na rua
É que se fez o meu lábio
O meu braço e a minha voz

Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
E eu sinto tudo na ferida viva do meu coração

Já faz tempo, eu vi você na rua
Cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança é o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências, as aparências não enganam, não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer que eu estou por fora
Ou então que eu estou enganando
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo, o novo sempre vem

E hoje eu sei que quem me deu a ideia
De uma nova consciência e juventude
Está em casa guardado por Deus
Contando os seus metais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

Belchior

Não quero

Não quero ter razão sobre nada,
Só quero a inquietação do vento,
A morosidade do tempo
E uma boa conversa fiada.
Prefiro ter um amor em vista,
Do que viver no vazio
De uma noite de frio
Em plena Avenida Paulista.
No amor me acostumei com os desencontros,
Nada de ser tudo certinho,
Muito errei pelo caminho,
Nem tudo me desceu tão redondo.
Quero numa tarde de outono
Esquecer dos problemas
Escrever meus tolos poemas
Até que eu pegue no sono.
Por fim, quero as folhas e as flores
De um jardim colorido
E a emoção de um sorriso
Contido em muitos amores.

Se eu soubesse

Ah se eu soubesse levar
A vida de uma forma mais leve
E quando perdesse um amor,
Dissesse, vá com Deus e até breve.
Ah se eu pudesse entender
O que na vida tanto me entristece,
Eu diria à Deus, nosso Senhor,
Atenda de agrado minha prece.
Eu tenho muito o que aprender,
A ser ao outro um sapato que sirva,
Que não aperte demais os seus pés,
Que não provoque doloridas feridas.
Todo amor que não transborda,
Não alimenta e também não aquece,
Faz da luz que um dia brilhou
Se apagar enquanto a alma escurece.