A VELHINHA CONTRABANDISTA
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega — tudo malandro velho — começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
— Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
— É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez.
Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
— Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
— Mas no saco só tem areia! — insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
— Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora
está passando por aqui todos os dias?
— O senhor promete que não “espáia”? — quis saber a velhinha.
— Juro — respondeu o fiscal.
— É lambreta.
STANISLAW PONTE PRETA
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PORQUE OS GALOS CANTAM DE MADRUGADA
Certo dia Sua Majestade o Leão deu uma festa e para a mesma convidou todos os outros bichos. O pagode devia começar aos primeiros albores do dia e os convidados a essa hora já deveriam estar presentes.
A festa era de arromba, a mais bonita de quantas havia notícia até aquela data. Quando chegou o dia marcado, nenhum dos bichos teve sossego. É que nenhum queria faltar ao convite, muito menos perder a hora.
Ao clarear do dia, o rei dos animais já tinha a casa cheia. Uma multidão. Nenhum dos convidados faltara, a não ser mestre Galo. Ele se esquecera inteiramente do convite.
Notando a sua ausência, Sua Majestade enfureceu-se, achou que aquilo era pouco caso, não tinha desculpa e mandou uma escolta de dois gambás para trazer o galo à sua presença.
Quando os gambás entraram no galinheiro, foi um salve-se quem puder; a galinhada saltou dos poleiros e se pôs a esvoaçar pelo rancho, a cacarejar que nem maluca. Mestre Galo acordou, espreguiçou-se e não atinou com aquilo.
Um gambá falou:
— Viemos buscar-te, seu tratante, por ordem de Sua Majestade. El-rei Leão dá-te a honra de um convite para a maior festa do mundo e ficas a dormir.. .
O galo coçou a cabeça:
— Ah! É verdade! Esqueci-me, perdi a hora!
— Pois por isso mesmo estás pegado para Judas. Outra vez, darás um nó na crista, para não esqueceres, ..
— Perdão, camaradas! Não me levai para lá! Que desejará fazer de mim Sua Majestade?…
— Ainda perguntas! Comer-te, se tamanha honra te der, caso não queira entregar-te aos gambás, a fim de que nós demos cabo de ti!
E dizendo isso, um dos gambás foi destroçando toda a família de mestre Galo, sem deixar uma cabeça na extremidade de cada pescoço. Os gritos aumentaram e as penas esvoaçaram no interior do rancho.
O galo chorava, maldizia-se, mas em vão. Ordenou-lhe:
— Vamos! Para a presença de Sua Majestade!
Mestre Galo não teve outro remédio senão seguir na frente, mas cabisbaixo e jururu. Chegados ao palácio do leão, a escolta e o preso foram ter à presença de Sua Majestade, que soltou um urro de raiva;
— Patife! Galo de uma figa! Com que então ousaste desobedecer ao meu real convite, não te apresentando à hora marcada para a minha festa? Pois vais pagar caro esse atrevimento.. .
— Saiba Vossa Majestade que não foi por querer, mas por lamentável esquecimento. Perdão! Eu me ajoelho aos pés do meu rei!
— Tens o que se chama memória de galo, cabeça de vento. Ia dar-te a morte, mas como te humilhaste, e para não perturbar a alegria da minha festa, vou comutar a pena. Daqui para diante, como castigo do teu esquecimento, não dormirás depois da meia-noite. Dormirás ao pôr do sol e acordarás logo depois. À meia-noite, cantarás, às duas amiudarás e ao surgir do dia cantarás ainda, dando sempre sinal de que estás alerta. Se dormires, se não cantares nas horas indicadas, tu com tua família correrás o risco de ser comido pelos animais inimigos de geração tão indigna. Assim não esquecerás mais e ficará punida tua vil memória!
Mestre Galo sentiu-se muito contente com a solução e, para não se esquecer de que havia de cantar à meia-noite, cantou também ao meio-dia. Dessa data em diante, passou a cumprir o seu fado, cantando pela madrugada a fora, por ter desatendido a um convite do monarca. E quando canta, fecha os olhinhos, fazendo força para não se esquecer de que tem de cantar outra vez, e canta de dia para se lembrar de que há de cantar de madrugada.
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ESSES ADULTOS
A confirmação de mais um casamento desfeito foi o pronunciamento do divórcio por incompatibilidade de gênios. Da separação permaneceu entre o casal um único elo, uma linda menininha com menos de dezoito meses.
A jovem mulher dispensara a pensão e o auxílio, pois, alta funcionária federal, não precisava de esmolas. Queria mesmo era sua liberdade. Assim sendo, ficou feliz da vida. Ele, por sua vez, herdara a fazenda do pai, no interior, e ia pra lá a fim de administrá-la. Como bons companheiros, apertavam as mãos sem ressentimentos.
A menininha ficou com a mãe, indo morar em Santos, pois Laura para lá havia sido transferida. Daí em diante, cada um levou a vida que pediu a Deus.
Ela encontrou outro príncipe encantado, afinado com o seu jeito de ser, um professor universitário, homem bom, que logo se afeiçoou à menina, que, inocentemente, o chamava de tio Victor.
Pouco mais de dois anos decorridos, a menina ouviu de sua mãe:
– Ana Maria, vá tomar seu banho. Vista roupinha nova, hoje você vai conhecer seu pai, que chegou de viagem.
A menina, com cerca de 4 anos, chega, pela mão da babá, até o pai, que a esperava no carro estacionado em frente ao prédio. Aquele homem elegante, bronzeado, que pela primeira vez via e chamava de pai, logo a cativou. Disse-lhe ele ter vendido a fazenda no interior e que, agora, iria ficar perto da filha, morando na cidade vizinha, São Vicente. Administrava uma firma construtora.
A presença do pai passou a ser uma constante nos fins de semana e isso já durava mais de um ano. Ana Maria estava feliz, ganhava bonecas, revistas, doces e passeios. E com o passar do tempo, mais e mais se apegava ao pai.
Ocorreu-lhe uma ideia. A pessoa de quem mais gostava depois da mãe era, inegavelmente, o pai. Que tal se conseguissem dar um passeio com a mãe e o pai juntos?
Assim ficou atenta, à espera de uma brecha para concretizar seu sonho.
Num dos sábados, ao sair para o passeio, passou pela sala e ouvia a mãe ao telefone:
– É da pizzaria Micheluccio? Gostaria de encomendar uma pizza de atum para viagem. Passo ai para pegá-la por volta das dezenove horas.
Como de costume, o pai perguntou-lhe o que queria fazer.
– Eu gostaria de ir ao cinema ver o filme do Batman e, depois, comer uma pizza de champignon no Micheluccio. Essa pizzaria fica ali na Conselheiro Nébias. Eu adoro a pizza de lá!…
Após o cinema, foram à pizzaria. Saboreada a pizza, a menina, esticando o programa, pediu mais um guaraná e depois uma mouse de chocolate.
O pai observava a filha um tanto inquieta, a indagar as horas várias vezes, sem tirar os olhos da porta.
Foi quando entrou Laura. Ana Maria levantou-se e, pegando a mãe pela mão, levou-a até a mesa onde estava o pai.
– Olá, Gilberto – disse Laura. Estão se divertindo?
Gilberto levantou-se, cumprimentando-a com um aperto de mão.
Ana Maria ficou imóvel.
Laura pediu desculpas pela pressa, pegou a pizza e saiu.
– Que foi querida? A mousse não está boa?
O que Ana Maria acabara de presenciar era muito decepcionante! Fizera de tudo para apresentar seu pai à sua mãe… e eles já se conheciam, sem nunca lhe dizerem nada!
– Esses adultos!…
CLÁUDIO DE CÁPUA – REVISTA SANTOS, ARTE E CULTURA