Jogue minhas cinzas no mar

Jogue minhas cinzas ao mar,
Para que eu possa explorar
Um mundo que sempre me fascinou.
Jogue minhas cinzas ao mar,
Mesmo que eu não saiba nadar,
Faça isso por amor.

Deixe-me em suas ondas flutuar,
Deixe-me nesse mistério me aventurar,
Há tanto que eu preciso aprender.
Agora que estarei tão sozinho
O mar me indicará o caminho
Para tudo que terei que entender.

Jogue minhas cinzas ao mar,
Preciso de alguma forma encontrar
Respostas de uma vida inteira.
Guarde boas lembranças de mim,
A morte nunca será o fim,
A vida que é passageira.

O amor é o que alimenta as raízes,
Lembre-se dos momentos felizes
E das nossas conversas ao luar.
Chore, se chorar for preciso,
Mas parta com um lindo sorriso
Depois de jogar minhas cinzas ao mar.

Hoje

Hoje te encontrei de repente,
E te perdi como sempre.
Pelas ruas que não conheço,
Pelos becos que me escondo,
Pelas trilhas que caminho,
Por onde quer que eu ande,
É sem você, é sempre sozinho.
Hoje te encontrei por acaso,
Não eras minha, isso é um fato.
Pelas nuvens que imagino figuras,
Pela ausência que tanto me tortura,
Pelo vento que esfria meu corpo
Pela chama que não aquece minha alma.
Lembro-me de ti, continuo sozinho.
Hoje te encontrei em pensamento,
E por esse mísero momento,
Foi minha maior alegria.
Lembranças de uma fantasia,
Que tanto me inspirou,
Que tanto me cativou
Até me deixar sozinho.

Água de pés

Há muito tempo, em todas as casas do campo as pessoas lavavam os pés, tal como fazem hoje, depois jogavam a água fora, porque não se podia deixar água suja dentro de casa durante a noite. Os mais velhos sempre diziam que algo de ruim entraria na casa se a água usada para lavar os pés fosse mantida em seu interior. Sempre diziam também que ao jogar a água era preciso gritar “Cuidado!” para evitar que almas ou espíritos ficassem no caminho. Mas isso não é coisa daqui nem de agora, e tenho que continuar a minha história.

Há muito tempo, uma viúva morava a leste do condado Limerick, num lugar ermo. Uma noite, quando ela e a filha foram dormir, esqueceram-se de jogar fora a água dos pés. Pouco depois de terem se deitado, ouviram bater à porta e uma voz que dizia: “Chave, deixe-nos entrar!”.

Bem, a viúva não disse nada, e a filha também ficou de bico fechado.

“Chave, deixe-nos entrar”, a voz repetiu e tchan! — dessa vez a chave falou em voz alta: “Não posso deixá-los entrar, e estou amarrada à coluna da cama da velha senhora”.

“Água de pés, deixe-nos entrar”, a voz disse, e então a tina com a água de pés se partiu, a água se espalhou pela cozinha, a porta se abriu e entraram três homens com sacolas cheias de lã e três mulheres com rocas.

Sentaram-se ao pé do fogão. Os homens tiravam toneladas de lã das sacolas, as pequenas mulheres a fiavam, e os homens punham o fio nas sacolas. Isso continuou por algumas horas, e a viúva e a filha estavam à beira da loucura de tanto medo. Mas ainda restava um pouco de juízo à jovem.

Lembrando-se de que havia uma vidente não muito longe dali, ela foi do quarto para a cozinha e pegou um balde. “Vocês vão tomar um gole de chá depois de todo esse trabalho”, ela disse na maior cara-de-pau, e saiu porta afora.

Eles não a ajudaram nem a impediram de sair.

Lá foi ela à casa da vidente e lhe contou sua história. “É um caso complicado, e ainda bem que você me procurou”, a vidente disse, “pois você ia ter que andar muito para achar alguém que as salvasse deles. Eles não são deste mundo, mas sei de onde são. E eis o que você precisa fazer.” E ela explicou à jovem o que deveria fazer.

A jovem tomou o caminho de volta, encheu o balde na fonte e entrou em casa novamente. Ao se aproximar da escada, ela jogou o balde no chão fazendo o maior barulho e gritou o mais alto que pôde: “Sliabh na mBan* está toda em chamas!”.

Ouvindo isso, os homens e mulheres estranhos se puseram a correr rumo ao leste, em direção à montanha.

Sem perder tempo, a jovem jogou fora a tina quebrada, aferrolhou a porta e colocou a tranca. E ela e a mãe voltaram para a cama.

Não demorou muito, e elas mais uma vez ouviram passos no terreiro, e a voz lá fora gritando: “Chave, deixe-nos entrar!”. E a chave respondeu: “Não posso deixá-los entrar. Já não lhes disse que estou amarrada à coluna da cama da velha senhora?”. “Água de pés, deixe-nos entrar!”, a voz disse.

“Como poderia”, a água de pés disse. “Estou aqui no chão embaixo dos pés de vocês!”

E, por mais que gritassem e se esgoelassem cheios de raiva, não conseguiram entrar na casa. Tudo em vão. Não podiam entrar, pois a água de pés tinha sido jogada fora.

E lhes digo que se passou muito tempo antes que a viúva e sua filha esquecessem de jogar fora a água dos pés e de limpar a casa direitinho antes de dormir.