Aquele dia ela chegou mais cedo em casa. Sabendo que o marido iria trabalhar até mais tarde, resolveu fazer um mingau de aveia, daqueles bem singelos, com água (não com leite), para comer assistindo televisão.
Uma vez pronto, enfeitou as bordas do prato, bem enfeitado, com queijo catupiry de caixinha (tinha que ser o de caixinha), apanhou um pano de prato bem limpinho e foi para o sofá da sala.
O apartamento era pequeno e modesto: à sua frente, uns 5 metros, estava a única porta de saída do imóvel. Logo a direita, a saída para a cozinha, e logo após esta, vinha o corredor para os 2 pequenos quartos, à uns 3 metros do sofá onde se sentava. Sim, era modesto e pequeno, mas isto não importava: ela e o marido estavam no início do casamento e teriam a vida inteira pela frente para construir família e melhorar o nível de moradia.
Enquanto buscava um canal com alguma programação que prestasse, feliz, iniciava a degustação do mingau de aveia com água e queijo catupiry, lembrando da avó e da mãe.
Pano de prato sobre as pernas, prato sobre o pano de prato e eis que sua vista é atraída por algo diferente, que vem voando do corredor dos quartos, pousando na parede, bem em cima do corredor que leva aos quartos. Seria uma mariposa??? Seu cérebro imediatamente entra em modo de alerta, pois embora ainda não tivesse identificado o bicho, aquele pouso em manobra errática, rápido e meio bobo, não levava jeito de mariposa não, e sim, de BARATA!!!
Jesus, e era!!!! O que fazer???? E era das voadoras, uma catástrofe total!!! Esses bichos nojentos nunca deveriam ter sido agraciados com asas pela mãe natureza!!! Muito menos com agilidade!!! Deveriam ser, no máximo, como lesmas, para a gente poder extermina-los sem pavor, e sem correr riscos de sermos atacados por terra e por ar!!!
Ela suava, suava e não sabia o que fazer. Embora petrificada, cuidadosa que era, conseguiu se mover ao menos para deixar o prato em cima da mesinha de canto, de modo a não sujar toda a casa jogando o prato para o alto, caso a barata viesse em sua direção. Pensou em sair correndo do apartamento, mas a barata estava muito próxima à única saída, inviabilizando a fuga. Ah, se pelo menos o marido chegasse!!!!
Para seu desespero, agora a barata andava em círculos, e ainda por cima, chacoalhava as horrorosas asas, na dúvida, se voava ou não. Coração disparado, ela estendia a única arma que tinha para se defender, o pano de prato, branquinho, como se fosse uma bandeira pedindo paz!! Mas nada, a tal continuava cada vez mais histérica, movimentando-se rapidamente, sendo que finalmente voou….
Nossa….. o coração saltou pela boca, para onde a tal voava?? Ela também queria voar, voar para bem longe, mas nem tinha para onde, pois as janelas da sala tinham grades! Estava presa, presa com uma barata…sim, e nestas horas dá vontade de fazer loucuras!!!! Agora via a barata pousada em cima da única porta de saída do apartamento. Ufa…por fim a tal não foi para cima dela, mas na verdade, somente encompridou a tortura…Aiiii, se ao menos o marido chegasse!!!!
Agora não tinha mais a menor chance de sair. A tal retomou aquela dança maluca, chacoalhando as asas, ao mesmo tempo em que andava em círculos rápidos pela parede. Ela, ainda sentada, sapateava e chorava!!! As lagrimas não podiam impedir de acompanhar todos os movimentos da tal, e de se apavorar a cada um deles!!! Se sentia tão menor que a barata… como podia??? Natureza ingrata!!!! Tentava se fortalecer, lembrando de todos os amigos que já lhe tinham falado que isto era besteira, que este medo era totalmente infundado, que o bicho era burro, nem voar sabia e não
era venenoso, e além disso, não passava de um inseto… mas nada do cérebro entender…. seria um pavor genético?!?!?!?!
Estava em choque! Aqueles minutos pareciam uma eternidade, e ia ter que tomar uma atitude!!!
Sabia disso!!!
Por que o marido não chegava????
Nisto, a barata empreende novo voo, desta vez com rota para o sofá, rota quase direta, porque uma barata não sabe voar diretamente para algo, mas sim, ziguezagueando em todas as direções…
Ohhhh: desespero total!!! Descabelada, desgrenhada, ela finalmente se levanta e sai em disparada pela porta, que consegue destrancar em segundos. Sai gritando pelo corredor, tocando todas as campainhas que vê pela frente, até que a moça do último apartamento do andar, abre a porta.
Pela aparência e desespero dela, a moça pensou no pior: estuprador, ladrão assassino, etc e tal. A moça a põe para dentro do apartamento e tranca a porta, com todos os ferrolhos possíveis.
Rapidamente, apanha um copo d’água, com açúcar, claro, e a coloca sentada em um banquinho na cozinha! Ela, coitada, ainda estava muda, tremendo e chorando. A vizinha tentava adivinhar a causa de tanta aflição, sem sucesso, até que finalmente, ela diz: barata em casa!!!
Ohhhh, lá vai o marido da vizinha, em uma verdadeira “caça à bruxa”!! Voltou meia hora depois, explicando que tinha procurado por todos os cantos, em todos os cômodos, mas nada de barata…
Impossível!!! Tinha uma barra, grande, com asas, poderosíssima!!! Para voltar para o apartamento, somente depois de encontrar o corpo!
Ahh, ele completou, prevenido que era, jogou veneno para todo lado, agora era esperar…
Nisto chega alguém pelo elevador. Vão em busca, pois somente poderia ser o marido dela, e era.
Quando ele vê sua doce esposinha, em prantos, rosto vermelho, tremendo como vara verde e toda desgrenhada, imagina o pior!!! Quem fez isso com você?? Pergunta ele. Foi ela, a barata!!!! Contesta ela, perdida em prantos…
Tudo explicado, o inconformado marido segue resoluto para o apartamento, decidido a encontrar o corpo da tal, que jaz, pacificamente, de perninhas para cima, na sua pequenez de inseto, dentro de um vaso de plantas.
Categoria: Dalva Mello
A história do menininho
Fui dormir e pensei: quero escrever mais um texto para o blog do meu amigo, Luiz Bernardes.
No outro dia, acordei bem como sempre, após mais uma noite de sono e muitos sonhos. Meu primeiro e feliz pensamento foi: já tenho o título do próximo texto – “a história do menininho”. Que maravilha!!! Era isso, este nome me parecia perfeito, assim como me parecia evidente, que essa história realmente existia, e que eu iria encontrá-la!
Cá entre nós, não sei de onde eu tirei isso, mas foi assim mesmo que aconteceu….
Segui para o banheiro, e enquanto me penteava e me maquiava, eu pensava em quem seria este menininho. Estava tão claro para mim que o nome do texto seria esse, mas faltava o protagonista com sua fantástica história, que coisa….
Pensei na figura do meu filho quando criança, mas não, não era ele, e não consegui fechar a equação.
Me lembrei da dúvida do dia anterior: será que aquela Oitava Sinfonia, tão suave e linda, era mesmo de Beethoven? Não que Beethoven não merecesse elogios, claro. Na verdade, suas músicas são as minhas preferidas, definitivamente um grande gênio, mas a gente acaba por conhecer o estilo do cara, e essa Oitava não era o jeitão dele não…Estava escrito “inacabada”, mas pelo que eu me lembrava, a inacabada era a Nona Sinfonia e não a Oitava. Fui direto ao Google fazer uma mais que rápida pesquisa.
Eu tinha baixado uma série de músicas clássicas para ouvir, e algumas vieram com os nomes meio confusos. Como pode esta maravilha do século, que é a internet, também enganar a gente??? Parece que virou uma pandemia isso de enganar a gente! E pimba, não era de Beethoven, mas sim de Schubert. Ohhh!!! A música estava identificada como a Oitava Sinfonia de Beethoven, mas era de Schubert…caraca!!!! Até nisso tem falhas…. e vai confiar nas notícias…
Sim, mas e a história do menininho? Cadê o tal menininho? Voltei a pensar no tal menininho. Me lembrei até dos filhos dos amigos, porque afinal de contas poderia ser um deles… mas quê… nenhum deles era o tal menininho….
Nisso o esquisito do meu cérebro, que deve ser muito louco, se pôs a matutar o porquê da Quinta e da Sexta Sinfonia de Beethoven serem a mesma música. Claro, lógico, evidente que não são, pois o ilustre Beethoven tinha criatividade para um milênio de composições ininterruptas. Ele não era um tipo que comporia 2 músicas parecidas, que dirá, iguais…ahahahahah tonta, pensei!!! Nisso eu já tinha terminado a maquiagem, agarrado a mochila do notebook, passado pelo meu trio de gatos, que me esperavam ansiosos para mostrar a bagunça que fizeram na terra do vaso de plantas da sala, e já estava na garagem, checando qual era na verdade a quinta e sexta sinfonia, pensando no tal do menininho, organizando mentalmente a agenda do dia, lembrando com saudade do meu filho que está estudando em cidade distante, e no que estaria fazendo a esta hora o namorado, em Buenos Aires. Ah, eu também estava dirigindo… Uau….será que todo mundo tem esta fartura de pensamentos sobrepostos, ou estarei eu perdendo um pouco a “razão”???
O Watson da IBM pode responder tudo o que perguntam, mas nada se compara à cabeça da gente, que vive fervilhando de perguntas, respostas, verdades, mentiras, invenções, buscas incessantes, músicas, textos, etc., etc., e etc.!!!. Valha-me Deus! Ele sim desenvolveu o mais potente e louco computador de todos os tempos!!!
Segui para empresa, percorrendo os 25 km entre minha casa e ela, dividida entre inúmeros pensamentos relâmpagos de tudo que se possa imaginar, mais as músicas, o planejamento das tarefas do dia, as vendas, as compras, meu querido secretário que ia voltar a trabalhar comigo, e a caça aos radares da rodovia (que raiva eu tenho disso…) e ao menininho, pois afinal, sem menininho, sem texto.
E por que raio fui acordar com o nome deste texto na cabeça!?!?!?! Eu hein!!!
Ne empresa, como sempre, eu mergulhei intensamente no trabalho. Sempre tenho a sensação de estar em um turbilhão quando estou por lá, mas isso já virou normal, e sempre me saio bem, feliz, ilesa e saltitante, direto para a academia, na eterna luta para manter o corpinho o menos compatível possível com a minha idade! ahahahaah
Num raro momento de “mente em branco” (isso existe??), levanto os olhos e vejo pelo vidro, passando do lado de fora da minha sala, um dos novos Menores Aprendizes que estão começando a estagiar com a gente. Vejo uma carinha de menininho em um corpo já alto de adolescente. Penso: será esse o “menininho”?? Queria pedir que viesse na minha sala para me contar a sua história, mas o tempo é curto, o trabalho é muito, e não deu para conversar com ele e nem para escrever a história real do menininho.
Porém, uma coisa é certa: já tenho o nome para o próximo texto – A História da Menininha!
Fui!!!