E foram tantos os versos que escrevi,
que quando dei por mim
eu estava tropeçando nas letras falíveis,
nas palavras sem sentido,
nos versos descabidos,
no antagonismo desesperado
deste amor tão superado.
E foram tantos versos que escrevi
no sentido oposto deste amor,
que hoje entreolho tuas feições
a ponto de me questionar,
porque não os fiz tão diretos,
não me fiz entender de supetão.
Foram tantos os versos que escrevi
que nem sei se você os leu
ou se chegou a marejar-lhe os olhos
quando num átimo de mim
você pode me perceber em ti.
Autor: Luiz Carlos Bernardes
Feto fêmea
Sou mulher,
Posso fazer o que eu quiser?
Tenho direito ao frio e ao calor
À paixão e ao amor
Sair na rua, ver o sol
As estrelas apreender
A Terra iluminar
Respirar?
Quem me dera!
Sou livre, mas…
minha mãe também.
Sou feto, sou fêmea, sou humana
Tenho lugar nesta sociedade insana?
Eu e ela, ou Ela e eu…
Aquele dia ela chegou mais cedo em casa. Sabendo que o marido iria trabalhar até mais tarde, resolveu fazer um mingau de aveia, daqueles bem singelos, com água (não com leite), para comer assistindo televisão.
Uma vez pronto, enfeitou as bordas do prato, bem enfeitado, com queijo catupiry de caixinha (tinha que ser o de caixinha), apanhou um pano de prato bem limpinho e foi para o sofá da sala.
O apartamento era pequeno e modesto: à sua frente, uns 5 metros, estava a única porta de saída do imóvel. Logo a direita, a saída para a cozinha, e logo após esta, vinha o corredor para os 2 pequenos quartos, à uns 3 metros do sofá onde se sentava. Sim, era modesto e pequeno, mas isto não importava: ela e o marido estavam no início do casamento e teriam a vida inteira pela frente para construir família e melhorar o nível de moradia.
Enquanto buscava um canal com alguma programação que prestasse, feliz, iniciava a degustação do mingau de aveia com água e queijo catupiry, lembrando da avó e da mãe.
Pano de prato sobre as pernas, prato sobre o pano de prato e eis que sua vista é atraída por algo diferente, que vem voando do corredor dos quartos, pousando na parede, bem em cima do corredor que leva aos quartos. Seria uma mariposa??? Seu cérebro imediatamente entra em modo de alerta, pois embora ainda não tivesse identificado o bicho, aquele pouso em manobra errática, rápido e meio bobo, não levava jeito de mariposa não, e sim, de BARATA!!!
Jesus, e era!!!! O que fazer???? E era das voadoras, uma catástrofe total!!! Esses bichos nojentos nunca deveriam ter sido agraciados com asas pela mãe natureza!!! Muito menos com agilidade!!! Deveriam ser, no máximo, como lesmas, para a gente poder extermina-los sem pavor, e sem correr riscos de sermos atacados por terra e por ar!!!
Ela suava, suava e não sabia o que fazer. Embora petrificada, cuidadosa que era, conseguiu se mover ao menos para deixar o prato em cima da mesinha de canto, de modo a não sujar toda a casa jogando o prato para o alto, caso a barata viesse em sua direção. Pensou em sair correndo do apartamento, mas a barata estava muito próxima à única saída, inviabilizando a fuga. Ah, se pelo menos o marido chegasse!!!!
Para seu desespero, agora a barata andava em círculos, e ainda por cima, chacoalhava as horrorosas asas, na dúvida, se voava ou não. Coração disparado, ela estendia a única arma que tinha para se defender, o pano de prato, branquinho, como se fosse uma bandeira pedindo paz!! Mas nada, a tal continuava cada vez mais histérica, movimentando-se rapidamente, sendo que finalmente voou….
Nossa….. o coração saltou pela boca, para onde a tal voava?? Ela também queria voar, voar para bem longe, mas nem tinha para onde, pois as janelas da sala tinham grades! Estava presa, presa com uma barata…sim, e nestas horas dá vontade de fazer loucuras!!!! Agora via a barata pousada em cima da única porta de saída do apartamento. Ufa…por fim a tal não foi para cima dela, mas na verdade, somente encompridou a tortura…Aiiii, se ao menos o marido chegasse!!!!
Agora não tinha mais a menor chance de sair. A tal retomou aquela dança maluca, chacoalhando as asas, ao mesmo tempo em que andava em círculos rápidos pela parede. Ela, ainda sentada, sapateava e chorava!!! As lagrimas não podiam impedir de acompanhar todos os movimentos da tal, e de se apavorar a cada um deles!!! Se sentia tão menor que a barata… como podia??? Natureza ingrata!!!! Tentava se fortalecer, lembrando de todos os amigos que já lhe tinham falado que isto era besteira, que este medo era totalmente infundado, que o bicho era burro, nem voar sabia e não
era venenoso, e além disso, não passava de um inseto… mas nada do cérebro entender…. seria um pavor genético?!?!?!?!
Estava em choque! Aqueles minutos pareciam uma eternidade, e ia ter que tomar uma atitude!!!
Sabia disso!!!
Por que o marido não chegava????
Nisto, a barata empreende novo voo, desta vez com rota para o sofá, rota quase direta, porque uma barata não sabe voar diretamente para algo, mas sim, ziguezagueando em todas as direções…
Ohhhh: desespero total!!! Descabelada, desgrenhada, ela finalmente se levanta e sai em disparada pela porta, que consegue destrancar em segundos. Sai gritando pelo corredor, tocando todas as campainhas que vê pela frente, até que a moça do último apartamento do andar, abre a porta.
Pela aparência e desespero dela, a moça pensou no pior: estuprador, ladrão assassino, etc e tal. A moça a põe para dentro do apartamento e tranca a porta, com todos os ferrolhos possíveis.
Rapidamente, apanha um copo d’água, com açúcar, claro, e a coloca sentada em um banquinho na cozinha! Ela, coitada, ainda estava muda, tremendo e chorando. A vizinha tentava adivinhar a causa de tanta aflição, sem sucesso, até que finalmente, ela diz: barata em casa!!!
Ohhhh, lá vai o marido da vizinha, em uma verdadeira “caça à bruxa”!! Voltou meia hora depois, explicando que tinha procurado por todos os cantos, em todos os cômodos, mas nada de barata…
Impossível!!! Tinha uma barra, grande, com asas, poderosíssima!!! Para voltar para o apartamento, somente depois de encontrar o corpo!
Ahh, ele completou, prevenido que era, jogou veneno para todo lado, agora era esperar…
Nisto chega alguém pelo elevador. Vão em busca, pois somente poderia ser o marido dela, e era.
Quando ele vê sua doce esposinha, em prantos, rosto vermelho, tremendo como vara verde e toda desgrenhada, imagina o pior!!! Quem fez isso com você?? Pergunta ele. Foi ela, a barata!!!! Contesta ela, perdida em prantos…
Tudo explicado, o inconformado marido segue resoluto para o apartamento, decidido a encontrar o corpo da tal, que jaz, pacificamente, de perninhas para cima, na sua pequenez de inseto, dentro de um vaso de plantas.